Sul sito brasiliano www.ihu.unisinos.br, espressione dell’Instituto Humanitas Unisinos – IHU di São Leopoldo-Porto Alegre, è uscita la traduzione portoghese del mio articolo Una nuova «Pacem in terris», pubblicato su L’Osservatore Romano martedì 13 ottobre e ripreso lo stesso giorno su questo blog. Riporto di seguito il testo, tradotto in portoghese da Moisés Sbardelotto. Qui invece il contributo com’è uscito su L’Osservatore Romano.
www.ihu.unisinos.br, 15 ottobre 2020, Fratelli tutti: uma nova Pacem in terris. Artigo de Massimo Borghesi
“O sonho do Papa Francisco de uma nova fraternidade, em um mundo despedaçado, afunda as suas raízes na ‘música do Evangelho’, no ‘Evangelho de Jesus Cristo’. A Fratelli tutti se dirige à humanidade inteira, mas não se esquece da raiz da esperança. É bom que os críticos do papa saibam disso e leiam o texto com atenção”, escreve Massimo Borghesi, professor da Universidade de Perugia, na Itália, e, de 2000 a 2002, foi diretor da Cátedra Boaventuriana na Pontifícia Faculdade São Boaventura de Roma, em artigo publicado por L’Osservatore Romano, 13-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fratelli tutti, a encíclica recém-publicada, deve ser lida com atenção para ser compreendida adequadamente. O risco, de fato, é o da banalização midiática que, concentrando-se em dois ou três pontos, reduz o documento a uma série de intenções piedosas. Trata-se, acima de tudo, de especificar o horizonte dentro do qual ela se situa: o de um mundo que corre rumo a destinos de guerra.
Os papas não escrevem encíclicas sobre a fraternidade para uma terra tranquila. A Pacem in terris, de João XXIII, foi publicada depois que, com a crise dos mísseis em Cuba, a terceira guerra mundial estava a poucos passos.
Felizmente, esse não é o caso hoje. No entanto, é inegável como a crise da globalização, o choque cada vez mais insistente entre os blocos (EUA, China, Rússia), as contínuas guerras travadas por vias interpostas, terrorismo religioso etc. configuram um mundo altamente instável, pronto para explodir. Acrescentem-se as grandes disparidades econômicas, a tragédia da Covid-19 com as suas repercussões sobre os países mais pobres, a imigração.
A mudança de época vê, a partir de 1989, o progressivo desmoronamento dos anteparos e dos contrapesos que a humanidade havia chegado a implementar após a terrível tragédia da Segunda Guerra Mundial: dos grandes órgãos internacionais, à carta dos direitos universais, passando pelo processo de unificação europeia.
Tudo se decompõe: a ONU, a União Europeia, o vínculo entre EUA e Europa, enquanto o relativismo cultural tende a exaltar o particularismo e o isolacionismo. O espírito do tempo traz novamente à tona o maniqueísmo em todas as suas formas: política, econômica, religiosa. Por toda a parte, ressurgem barreiras, antigas desconfianças, velhos nacionalismos.
É nesse contexto que Francisco lança o sonho de uma renovada fraternidade entre os povos e as pessoas: fraternidade religiosa, política, econômica, social. Um sonho análogo ao de Martin Luther King, cujo nome é citado no fim, ao lado do de São Francisco, Gandhi, Desmond Tutu, Charles de Foucauld: “I have a dream”. Não se trata de uma rendição ingênua ao espírito da utopia, ao filantropismo humanitário, como lamentam os críticos do papa. Francisco é um realista, que conhece perfeitamente a crítica de Santo Agostinho à teologia política, à confusão entre o Reino de Deus e o reino dos homens. Mas é um realista, que sabe que o realismo, se não quiser ser cínico, deve ir além, deve arriscar um projeto ideal, deve se abrir à esperança.
O cristão é um homem de esperança e não de resignação. O realismo autêntico é um real-idealismo. É por isso que hoje a Fratelli tutti representa uma pedra poderosa no pântano das ideias, da política, de uma fé estagnada.
A encíclica se dirige a todos – “Fratelli tutti” – mas é inegável que, entre os primeiros destinatários, estão os cristãos, particularmente os católicos. Muitos deles, longe de serem protagonistas da mudança, fazem parte do problema atual, parte daquele maniqueísmo político-religioso que caracteriza o momento presente. Eles também participam, muitas vezes sem serem conscientes disso, do grande vento da história.
Nos anos 1970, o vento levava para a esquerda, ao encontro e à subordinação do cristianismo ao marxismo. Desde a queda do comunismo, o espírito do mundo se volta para a direita. Assim, neste momento, diante de uma globalização econômica abstrata e muitas vezes violenta, dominada por um neocapitalismo sem escrúpulos, tem-se a reação populista, o ressurgimento dos nacionalismos político-religiosos, a territorialização da religião reduzida a um fator étnico. Tem-se o fundamentalismo e o terrorismo ou em nome de Deus.
A Fratelli tutti parte do grande “Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum”, de fevereiro de 2019, assinado em Abu Dhabi junto com o Grão-Imã de al-Azhar, Ahmad al-Tayyeb. Ela o aprofunda em todas as suas implicações e o propõe ao mundo como o ideal para o momento presente.
Da fraternidade religiosa, pode surgir uma fraternidade universal, um movimento de paz capaz de atravessar povos e nações. Isso não pode deixar de ser acompanhado por uma revolução cultural, por uma “nova cultura”, a cultura do encontro. Uma cultura “que supere as dialéticas que colocam um contra o outro. É um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes, porque ‘o todo é superior à parte’. O poliedro representa uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças” (n. 215).
Trata-se de afirmações – o poliedro, o todo é superior à parte – que estão no centro do pensamento de Bergoglio ainda antes de ele se tornar papa. A partir desse ponto de vista, a encíclica pressupõe um fundamento cultural preciso que sustenta o desígnio da fraternidade. Os capítulos III e IV, dedicados à abertura ao mundo e do coração, pressupõem uma antropologia relacional que une personalismo e pensamento dialógico.
Os nomes de três pensadores, Georg Simmel, Gabriel Marcel, Paul Ricoeur citado duas vezes, são chamados a sustentar a perspectiva. Assim como, da mesma forma, revela-se essencial a antropologia polar de Romano Guardini, presentes em várias partes do documento. É a antropologia polar que permite alertar contra as falsas “polarizações” atuais, contra o contraste entre uma globalização liberalista, falsamente universalizante, e um populismo particularista que falsifica o conceito de povo.
A lei da polaridade, segundo Francisco, une e distingue universal e particular; reconhece a sua antinomia, a sua complementaridade na diferença. Propõe-se como solução, no plano teórico, das ferozes contraposições do presente.
Uma última observação que permite evitar leituras apressadas e mal-entendidos. A encíclica também responde àqueles que, nos últimos anos, acusaram o papa de filantropismo, irenismo, humanismo. De ter separado Misericórdia e Verdade. É bom que essas pessoas comecem a leitura do documento a partir dos capítulos finais, do VI em diante. Aqui, de acordo com a Caritas in veritate de Bento XVI, é possível observar uma firme ancoragem do diálogo na ideia de verdade. Uma verdade objetiva, a única que permite o reconhecimento racional de uma natureza humana única e universal, contra o relativismo dominante na cultura atual.
Verdade, justiça e misericórdia não podem ser separadas. O papa responde, desse modo, aos seus críticos de direita que não cessaram, desde a Amoris laetitia, de o atacar. Uma resposta que não hesita, no capítulo VIII dedicado ao diálogo entre as religiões, em citar o “texto memorável” da Centesimus annus de João Paulo II: “Se não existe uma verdade transcendente, na obediência à qual o homem adquire a sua plena identidade, então não há qualquer princípio seguro que garanta relações justas entre os homens” (n. 273). Que não hesita, sobretudo, em evidenciar como a identidade cristã constitui um fator essencial para o diálogo fraterno com todos.
Por isso, embora apreciando a ação de Deus nas outras religiões, “todavia, como cristãos, não podemos esconder que, ‘se a música do Evangelho parar de vibrar nas nossas entranhas, perderemos a alegria que brota da compaixão, a ternura que nasce da confiança, a capacidade da reconciliação que encontra a sua fonte no facto de nos sabermos sempre perdoados-enviados. Se a música do Evangelho cessar de repercutir nas nossas casas, nas nossas praças, nos postos de trabalho, na política e na economia, teremos extinguido a melodia que nos desafiava a lutar pela dignidade de todo o homem e mulher’. Outros bebem de outras fontes. Para nós, este manancial de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo” (n. 277).
O sonho do Papa Francisco de uma nova fraternidade, em um mundo aos pedaços, afunda as suas raízes na “música do Evangelho”, no “Evangelho de Jesus Cristo”. A Fratelli tutti se dirige à humanidade inteira, mas não se esquece da raiz da esperança. É bom que os críticos do papa saibam disso e leiam o texto com atenção.